O Ensino do Cavalo de Obstáculos

Da leitura deste artigo poderão perceber com facilidade o motivo das três edições do livro “Equitação: Como e Porquê”, do Coronel Eduardo Netto de Almeida, terem esgotado. O pragmatismo e a fluência da escrita, associados à técnica, constituem também neste artigo, a melhor forma de nos mostrar o contributo do ensino, na preparação para o objectivo final do cavaleiro de obstáculos – o “percurso limpo”.

RAMADAN a galope montado pelo meu neto

Texto: Coronel Eduardo Netto de Almeida

1 – COMO SE FAZIA DANTES

Há bastantes anos venho reparando que as rédeas de oposição estão fora de moda, facto contra o qual nada tenho a opor, desde que a sua prática seja substituída por outra filosofia. Mas agora que tenho estudado com um pouco mais de pormenor alguns livros de equitação mais recentes, estou deveras preocupado por reparar que não há filosofia de substituição.

O que é a equitação? Há várias definições que me satisfazem, mas uma das que mais gosto é a de que EQUITAÇÃO É EQUILÍBRIO. Na realidade ensinar o cavalo a fazer o que quer que seja sem nos importarmos com o domínio do seu equilíbrio pelo cavaleiro, não é equitação. E não é equitação pelo simples facto de eu o afirmar. Não é equitação porque não é possível levar o cavalo a desenvolver todas as suas potencialidades sem o domínio do equilíbrio. Tal e qual como no ballet.

Mas o que é o equilíbrio? É a mais adequada repartição do peso pelos vários apoios (leia-se: membros) do cavalo de modo a colocá-lo nas melhores (leia-se: mais fáceis) condições para executar, com correcção, o exercício que o cavaleiro pretende. E este peso pode ser colocado pelo cavalo seja nos anteriores, seja nos posteriores; seja numa espádua ou numa anca. Ao cavaleiro cabe a tarefa de lhe impor essa distribuição tanto para que ele se encontre em cada momento no melhor equilíbrio, como para o impedir de sair dele. Porque não tenhamos dúvidas de que a maioria dos cavalos, por preguiça, não se importa de fazer piaffer sobre as espáduas ou de derrubar um obstáculo só para não ter que colocar o seu peso sobre os posteriores. E os poucos que não procedem assim valem rios de dinheiro. Daí que o cavaleiro deva ter todo o interesse em ser capaz de melhorar as possibilidades dos cavalos mandriões. E isto só se consegue através do ensino.

RAMADAN a ladear a trote montado pelo meu neto

Vamos exemplificar. O meu cavalo, com o equilíbrio que tem (isto é, com o que lhe é fácil de conseguir), faz perfeitamente provas a 1,30m. Será que eu me contento com isto? Será que eu não gostaria de poder ir mais longe com ele e poder entrar nas provas médias que me impõem que salte obstáculos a 1,40m? Se assim é, o que me impede de o fazer? É claro que a falta de controlo do seu equilíbrio me impede de o fazer!

Como é que se ganham provas ao cronómetro, como são todas as barrages? Os factores que intervêm no salto são a impulsão, a velocidade, o equilíbrio e o ponto de batida. Os 3 primeiros definem a forma da trajectória e o último a sua colocação em relação ao salto. Os 3 primeiros estão naturalmente interligados: quanto mais velocidade, mais impulsão e menos equilíbrio. Esta interligação funciona algumas vezes no bom sentido: se eu quero saltar a vala e se optar por muita velocidade, a coisa resulta porque o equilíbrio não me faz muita falta. Mas se eu estiver a disputar uma barrage ao cronómetro e tiver um vertical como último salto, a 50m do anterior, e quiser chegar lá depressa, ao aumentar a velocidade estou a sacrificar o equilíbrio e, portanto, a correr um grande risco. E é nestas ocasiões que o ensino se revela indispensável pois permite desfazer a natural correspondência dos 3 factores indicados.

Se nessa mesma barrage eu quiser fazer uma volta apertada para um vertical e se o cavalo se lembrar de sobrecarregar a espádua de dentro nesse momento, só o ensino me permite contrariá-lo de modo a evitar o toque fatal que me vai estragar a prova.

Posta a definição e a necessidade do equilíbrio vamos estudar um pouco mais a fundo como se consegue, pois é aqui que entram as tais rédeas de oposição. Bem. Não quero ser extremista e obrigar os cavaleiros a seguirem uma terminologia que não é necessariamente obrigatória. Mas a realidade é que, por definição, as rédeas de oposição se executam com uma retenção da frente e uma impulsão de trás. É claro que podemos dizer apenas que para se graduar o equilíbrio é necessário que as pernas empurrem, pedindo ao cavalo que avance mais depressa, e as rédeas o retenham de modo a que o cavalo, entre estes dois pedidos, se veja constrangido a deslocar-se com os posteriores mais avançados e, portanto, capazes de sustentar o seu peso (e também o peso do cavaleiro, é claro) sobre os posteriores. Isto é o mesmo que dizer que “sem retenção não há equilibração”. E é isso que tem que ser acentuado por quem não quer falar em rédeas de oposição.

E era com base neste ensino clássico que nós conseguíamos ter os cavalos a saltarem redondos e calmos. Era assim que nós resolvíamos o grande problema dos cavaleiros de obstáculos: terem cavalos que “alonguem” sem se “abrirem”, e que “encurtem” sem “morrerem”.

Será que estas noções são demasiado avançadas para os cavaleiros que andam nas provas pequenas e médias das nossas pistas? Será que apenas nos temos que restringir a ensinar que o que é preciso, e isso basta, é ensinar que quando o cavaleiro empurra, o cavalo tem que acelerar, e quando o retém o cavalo tem que travar? Será que isto chega para conduzir um cavalo na pista de obstáculos? Se isto chega, o cavaleiro não tem outra solução, quando o seu cavalo dá 3 toques em cada percurso, senão mandá-lo para o talho e comprar outro. Por amor de Deus, isto parece-me tão primitivo que me recuso a aceitar esta solução. Julgo que não tentar ensinar isto aos alunos, pelo menos aos que revelem um mínimo de tacto equestre, é pouco menos que fraudulento. E eu vejo nas pistas rapazes e raparigas que me parecem perfeitamente em condições de assimilar esta noção.

JAMAICA a ladear a trote

É que é perfeitamente desesperante assistir a coisas como a que me aconteceu um dia destes. Fui à roulotte do CANTINHO DO CAVALO, que está em quase todos os concursos do centro e sul do país, para comprar um freio. Devo dizer que me vi um bocado aflito na escolha, porque a variedade era muita mas a qualidade (equestre, não do material) era muito pouco apelativa. E de conversa com o dono do CANTINHO ele perguntou-me como era que o freio “actuava” pois gostaria de aprender para poder responder a clientes que lhe pediam “um freio que fosse bom para o meu cavalo”. É impressionante como os cavaleiros ainda têm a noção de que o ensino do cavalo se faz “com os ferros que se lhe metem na boca”. Não contesto que isso ajuda. Mas que não resolve, não tenhamos dúvidas. E é impressionante ver a variedade de ferros que lá se encontram. E se lá se encontram é porque os compram, é claro.

Mas, apesar disso, ainda um dia destes assisti a um concurso, no qual uma das distribuições de prémios da prova grande demorou um bocado, de modo que os cavaleiros classificados se foram entretendo a “mexer” os seus cavalos. Pois fiquei impressionado com um dos nossos melhores cavaleiros a fazer galope curto. Um galope muito “curtinho” mas com o cavalo completamente aberto, pois não “abria o compasso”. O posterior de dentro não “entrava”, e, claro, o galope tinha forçosamente que ser a 4 tempos. Como é que se pode fazer uma prova “grande” com um cavalo que não se “fecha”? O Brig. Callado é que tinha razão quando uma vez me dizia: “Eu até tinha medo!”

Pois o que eu vejo hoje em dia é que se ensinam os jovens apenas a conduzir os seus cavalos, mas não a ensiná-los. Isto é, verifica-se que os clubes hípicos são “escolas de pilotos” mas não “escolas de equitadores”.

E o que me assusta nos livros de equitação de hoje, é que não encontro referências à “retenção”” como substituto das antigas “rédeas de oposição”.

Mas que os autores têm essa “retenção” sempre presente no seu espírito, disso não tenho dúvidas.

Acabei agora de ler um livro sobre “ensino” que nunca fala de “retenções”, mas, a certa altura, o autor lá se descai, dizendo, no capítulo intitulado “As atribuições das pernas”.

«A pressão das duas pernas, no seu lugar natural (na vertical do assento), deve produzir instantaneamente um aumento da velocidade (põe para diante). A pressão das duas pernas atrás da sua posição natural, deve produzir um ganho de actividade. Isto é, em função das outras ajudas, realizar-se-á sem aceleração do andamento, ou mesmo até com abrandamento. Estas são intervenções que, aproximando-se da cintura abdominal do cavalo, solicitam, logicamente, a entrada activa dos posteriores para debaixo da massa. Entramos aqui no domínio da concentração.»

Por aqui se vê como um autor que, durante todo o livro não se referiu a “retenções”, chega a um ponto em que nada faz sentido se elas não existirem.

Lá que as retenções são difíceis e perigosas para quem não tem um certo “tacto equestre”, é verdade. Mas daí até se querer construir o “edifício equestre” sem elas, vai uma grande distância.

Valha-nos Deus!

Junto algumas fotografias, já antigas, de cavalos do meu filho a trabalhar, não porque pense que estão muito boas, mas simplesmente para mostrar o trabalho clássico que lhes fazemos. Que, de resto, não se destinam a preparar os cavalos para provas de ensino mas, apenas, para pôr os cavalos sobre a mão e a conseguir as “quantidades” de sujeição e equilíbrio necessárias para que possam ser conduzidos nas provas de obstáculos. Repare-se como, no trabalho a galope a perna de dentro de todos os animais entra francamente, para poder sustentar a frente. É que, para aumentar o equilíbrio do galope, o que é preciso é encurtar a distância entre as batidas dos membros que integram a diagonal associada e não a distância entre as batidas dos posteriores ou as dos anteriores. Só assim o cavalo “dá o dorso.

As últimas fotos do SKIPPY estão francamente desfocadas, Mas resolvi mantê-las porque, a primeira está com um galope muito correcto pouco comum em cavalos com este grau de ensino. O compasso está muito aberto e a distância entre os apoios dos posterior direito e do anterior esquerdo é muito curta como deve ser para que o cavalo dê o dorso. A segunda porque apresenta um cruzamento interessante.

Resolvi apresentar estas fotos porque gosto de documentar aquilo que defendo e as críticas que faço, com documentos que mostrem que não me limito a “embarcar” nas teorias dos outros ou em deduções teóricas.

Sobre Catroi

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